Sustentabilidade garante ao produtor de algodão renda 10% acima do mercado
A forte queda nos preços internacionais do algodão, de 145 centavos de dólar a libra peso em março para menos de 90 centavos de dólar no final deste ano não inibirá o plantio da pluma brasileira para a temporada 2023/24, cuja semeadura começa nos próximos meses.
A previsão da Associação Brasileira de Produtores (Abrapa) é de uma alta de 1,3% em relação a 2022/23, com 1,658 milhão de hectares.
“Esse é o ano que vamos ganhar muito pouco ou nada, mas temos que olhar para o futuro e, quando voltar o consumo, nós por termos mantido a nossa área enquanto os EUA estão falando em reduzir 30%, vamos conquistar mais mercado, mais credibilidade de um mercado que cada vez mais quer o algodão brasileiro. Essa é a nossa aposta e tenho certeza que vamos ter bons frutos para o futuro”, afirma o atual presidente da Associação, Júlio Cézar Busato.
Por trás da estratégia de resistência às oscilações de mercado, está a aposta nos programas de rastreabilidade, qualidade e sustentabilidade mantidos desde a fundação da Associação, há mais de 20 anos.
“Nós saímos do fundo da loja para a vitrine”, resume Busato. Batizado de Algodão Brasileiro Responsável (ABR), o protocolo de rastreabilidade criado há dez anos pelo setor permite ao consumidor obter informações de qual fazenda veio a pluma com poucos cliques garantindo diferenciação do produto brasileiro em relação aos seus principais concorrentes.
Com isso, em 2022 os produtores receberam, em média, 10% acima do valor cotado em Nova York – o que tem se convertido em mais um estímulo à manutenção da área plantada num contexto de aumento de custos. “Se fizermos as contas, isso representa um ganho de rentabilidade de US$ 150,00 por hectare que está voltando ao produtor”, pontua Alexandre Pedro Schenkel, que assume a presidência da Abrapa a partir do próximo ano.
Natural do Rio Grande do Sul, o cotonicultor vive há 33 em Mato Grosso, onde se formou em agronomia na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), presidindo a Cooperativa Mista de Desenvolvimento do Agronegócio (Comdeagro) até este ano. Com longa trajetória no cooperativismo, Schenkel compara a cotonicultura brasileira a um dos maiores ídolos nacionais: Ayrton Senna:
“O Ayrton Senna, quando corria, era um piloto padrão. Ele tinha um rigor no treinamento dele, comparável às vezes com Alain Prost e outros. Chegava em primeiro, segundo, terceiro. Estava sempre por ali. Mas quando chovia, não tinha para ninguém. Ele era o melhor piloto que existia”.
A tempestade
Para o algodão brasileiro, a chuva tem sido o aumento de custos diante de um mercado em franca queda de preços este ano, pressionado pela desvalorização do petróleo e pelas perspectivas de menor consumo na China, maior importador mundial e destino de 26,5% das exportações brasileiras este ano.
“A China com essa política de fechamento de Covid realmente está trazendo problemas no consumo e na produção. Fábricas fechadas e consumo menor, agora sabemos que isso é temporário, não vai poder ficar pra sempre e, como falamos aqui, estamos apostando no futuro. Quando o mercado voltar a consumir nós temos que ter o algodão para abastecer esse consumo”, afirma o atual presidente da entidade.
A previsão da Abrapa é de que a produção nacional atinja 2,95 milhões de toneladas na safra 2023/24, das quais 700 mil toneladas serão destinadas ao abastecimento interno e, o restante, cerca de 2,25 milhões de toneladas, serão exportadas.
No acumulado dos dez primeiros meses deste ano, os embarques brasileiros somam 1,4 milhão de toneladas, uma queda de 14% ante o mesmo período do ano passado. Em valor, contudo, houve alta de 9% nas exportações, que somaram US$ 3,14 bilhões de janeiro a outubro deste ano.
O resultado financeiro acompanha a forte valorização da pluma a partir do início de 2022 (22,4% entre fevereiro e abril) puxada não mais apenas por uma demanda global mais aquecida, que já vinha dando fôlego ao mercado, mas também pela forte alta do petróleo diante do conflito entre Rússia e Ucrânia.
Quando a cotação da commodity passou a cair diante da perspectiva de uma recessão global, levou consigo os preços do algodão, hoje com queda acumulada de 25% na bolsa de Nova York desde o início deste ano.
Com 50% da safra 2023/24 vendida até o momento, Busato explica que a fixação do preço de venda da próxima temporada, realizado normalmente 18 meses antes da colheita, está atrasada. “Principalmente em função dessa queda de preço, há dois dias estava a 77 centavos [de dólar a libra peso], e os produtores pararam de vender em função do nosso custo estar acima disso. Agora é ver o que vai acontecer com o mercado. Se esse algodão passar de 90 centavos [de dólar a libra peso] os produtores voltam a vender e talvez a gente chegue aos 70% [de venda antecipada]”, explica Busato.
Descomoditizar é o caminho
A relação entre o mercado de petróleo e algodão é antiga, data do final da década de 1930, quando começou a ser produzida em escala comercial a primeira fibra sintética à base do hidrocarboneto, o nylon. Desde então, inúmeras outras fibras sintéticas chegaram ao mercado tendo como principal apelo de vendas a durabilidade, a resistência e o preço.
“A fibra sintética sempre foi mais em conta, mas aí você vê que o conforto do algodão é bem maior”, defende Alexandre Schenkel, sem deixar de reconhecer os ganhos em qualidade que o concorrente à base de petróleo teve ao longo de 83 anos.
“Estão até com uma qualidade parecida com o algodão em alguns pontos. Lógico que cobram um preço por estarem entregando mais conforto, mas o algodão sempre vai ter um preço mais acima por ser natural. Mas é o seguinte: se hoje você quer sustentabilidade, vai estar trabalhando com um produto que é de origem de petróleo comparado com o algodão, que é fibra e celulose pura, se degrada quando cai nos rios, enquanto a fibra sintética quando vai se deteriorando na lavagem vai soltando micropartículas que contaminam muitos ambientes, principalmente nossas águas”, argumenta.
A sustentabilidade do algodão comparada a outras fibras será uma das principais bandeiras da Abrapa para valorizar a pluma brasileira e promover o consumo interno e externo no próximo biênio, segundo o futuro presidente da Associação. A ideia, afirma, é ter participação do algodão em todos os tecidos sintéticos, “para pelo menos ir diminuindo essa questão de deixar resíduos no ambiente”.
“Estamos trazendo um produto totalmente natural que hoje se degrada como se fosse papel. Então, lógico que para o algodão é interessantíssimo a gente estar com essa preocupação com o meio ambiente”, observa Schenkel ao fazer uma analogia do mercado de fibras naturais com o de feijão.
“Hoje você compra um feijão jalo e come uma ou duas vezes ao ano. É um feijão mais especial e a grande demanda no Brasil inteiro é o feijão carioca e preto. É parecido com o que a gente tem de fibra natural. O maior volume de fibra nosso, o feijão carioca, é o algodão, o maior fornecedor como fibra natural e com menor custo para se fazer. Se aumenta a demanda por uma viscose, linho ou seda, o mercado não vai conseguir produzir o suficiente e vai aumentar muito o preço. Já o algodão entrega tanto conforto quanto essas fibras e também sustentabilidade e responsabilidade com o meio ambiente ao não deixar resíduos”, defende o futuro representante dos cotonicultores brasileiros ao ver na sustentabilidade um caminho para desvincular o preço das duas commodities.
“Em momentos como esses não está fácil o lucro tanto para o produtor brasileiro quanto para o americano, australiano, africano… Está difícil porque os custos estiveram muito altos. Houve um desequilíbrio nos custos e agora com o mercado. Então, nós vamos sobreviver. Nós somos igual ao Ayrton Senna, nas dificuldades nós estamos lá na frente e, quando voltar ao normal estaremos colhendo os frutos do que estamos plantando agora”, conclui Schenkel.
Leia mais: Sustentabilidade garante ao produtor de algodão renda 10% acima do mercado | Algodão | Globo Rural
Mídia: Globo Rural